Comunicação não verbal: o que é e como a ler

Tempo de leitura estimado: 8 minutos

“Podemos escolher não falar, mas nunca somos inexpressivos não verbalmente”.

Neste artigo, Anne Beall, autora, psicóloga social e especialista na área da comunicação não verbal, apresenta a base da linguagem corporal e ensina a compreender o que revela sobre os sentimentos das pessoas.

Ao contrário das palavras, que dão informações através dos seus conteúdos e da forma como são ditas, a comunicação não verbal envolve todo o corpo. A cara, os olhos, a postura, os gestos da mão, a orientação do corpo e a proximidade são todos aspetos que revelam os nossos sentimentos.

Anne criou o PERCEIVE™, o seu método de leitura do comportamento não verbal, depois de observar as dificuldades que muitos executivos de empresas tinham em perceber as reações de outras pessoas eficazmente. Sabia que havia necessidade de estruturar este amplo tema num modelo que as pessoas pudessem seguir e compreender facilmente.

Enquanto especialista em estudos de mercado, Anna e a sua equipa utilizam o PERCEIVE™ para perceber as pessoas que não conseguem ou não querem expressar as suas opiniões e sentimentos relativamente aos hábitos e experiências com as marcas.

Os conselhos de Anne podem ser aplicados a situações do quotidiano para ler melhor as reações das pessoas quando lhes apresenta o seu negócio.

Continue a ler para descobrir algumas opiniões resumidas do livro de Anne, Reading the Hidden Communications Around You: A Guide To Reading Body Language in the Workplace (Ler as Comunicações Ocultas à Sua Volta: Manual para Ler a Linguagem Corporal no Local de Trabalho) e comece a melhorar os conhecimentos sobre comunicação não verbal.

Proximidade e orientação relativa: compreender os princípios

Comecemos pela proximidade e a orientação relativa, que formam os princípio de toda a comunicação não verbal.

Toda a linguagem corporal ocorre dentro destes dois contextos:

  • Proximidade, que é a medida de distância entre duas pessoas
  • Orientação relativa, que é o nível até ao qual duas pessoas se encaram mutuamente

A proximidade e a orientação relativa são as principais características que mostram como nos sentimos em relação a alguém.

Eis porquê:

  • Perante alguém de quem gostamos e achamos interessante, sentamo-nos e chegamo-nos.
  • Quanto mais perto estamos de uma pessoa emocionalmente, mais de perto interagimos fisicamente com ela.
  • Se o interlocutor se afastar, perder o contacto dos olhos ou fizer uma pausa na conversa, é possível que tenha invadido o seu espaço pessoal.
  • Os homens tendem a ter menos orientações diretas com outras pessoas, particularmente com outros homens. As mulheres têm mais interações diretas quando interagem.
  • Em conversas de grupo, as personalidades dominantes costumam sentar-se ao centro.
  • Os introspetivos mantêm mais distância interpessoal do que os extrovertidos.
  • As pessoas que estejam a competir costumam sentar-se em lados opostos e longe umas das outras. As pessoas que estão a colaborar sentam-se perto ou à frente umas das outras.

A prática faz a perfeição. Experimente, tendo em atenção o seguinte:

  • A adjacência com que pares românticos, amigos e colegas de trabalho interagem. Agora, observe a proximidade de pessoas que não conhece e tente adivinhar a natureza dessas relações.
  • Quem as pessoas encaram naturalmente numa reunião. Encaram a pessoa mais importante ou influente na sala? Viram o corpo para essa pessoa quando ele/ela fala? O que é que a orientação lhe diz acerca da influência num grupo?
  • A forma como as pessoas se posicionam enquanto conversam. Consegue perceber que uma interação está quase a acabar devido a uma alteração na proximidade ou na orientação?

Expressões: descodificar os gestos faciais

As sete expressões emocionais básicas reconhecidas pela maioria das culturas são felicidade, tristeza, raiva, surpresa, medo, nojo e desdém.

Até que ponto mostramos os nossos sentimentos depende do nosso ambiente. Por exemplo, as pessoas expressam versões mais suaves dos sentimentos no local de trabalho ou em contextos profissionais.

E é muito comum que os nossos colegas de trabalho e contactos novos revelem as suas emoções por meio de expressões parciais.

Então, como podemos saber como é que o nosso interlocutor se está realmente a sentir? Há algumas pistas comuns.

Como identificar a felicidade

Um sorriso verdadeiro envolve olhos e lábios, ao passo que um falso só usa os lábios.

Como identificar a tristeza

Podemos saber que uma pessoa está triste pelos olhos e as pálpebras. Os cantos internos dos olhos e as sobrancelhas estão ligeiramente erguidas.

Como identificar a raiva

A raiva é caracterizada por olhos fechados e descaídos. As sobrancelhas aproximam-se, criando, em alguns casos, duas linhas entre ambas.

Como identificar a surpresa

A surpresa é definida por olhos arregalados e rugas na testa.

Como identificar o medo

O medo envolve as sobrancelhas, que se erguem e podem estar ligeiramente perto uma da outra. Muitas vezes, as pálpebras de cima estão levantadas.

Como identificar o nojo

O nojo envolve baixar as sobrancelhas e franzir o nariz ao mesmo tempo que o lábio superior vem para cima.

Como identificar o desprezo

Geralmente, o desprezo é revelado quando um canto da boca está apertado e ligeiramente subido.

Pratique a identificação das diferentes expressões faciais

  • Ponha-se ao espelho e tente demonstrar felicidade, raiva, tristeza, desprezo, surpresa, medo e nojo.
  • Em alternativa, filme-se a falar sobre um tema fácil e um difícil. Veja o vídeo a uma velocidade mais baixa para reparar em microexpressões ou expressões parciais na cara. Também pode assistir a conversas de talk shows diferentes. Escolha um talk show divertido e ligeiro e compare-o a outro mais constrangedor, prestando particular atenção aos sinais da linguagem corporal.
  • Ganha pontos extra se o conseguir fazer sem se rir.

Contacto: o que o contacto revela

O toque comunica o tipo de relação entre duas pessoas. O contacto físico demonstra emoções e aumenta à medida que as relações se aprofundam e as pessoas se sentem mais à vontade entre si.

A menor expressão de toque acontece em relações profissionais e a maior ocorre entre amigos e pessoas em relações íntimas. Por isso, tenha este pormenor em conta quando comunicar com conhecidos novos, colegas ou contactos profissionais.

As pessoas têm mais probabilidade de tocar em alguém que estejam a tentar persuadir ou influenciar ou cujo estatuto seja inferior ao seu. De forma não surpreendente, as pessoas extrovertidas e autoconfiantes tendem a tocar mais do que as que são introvertidas.

Tenha atenção a:

  • Toque ritualizado: que distância há entre duas pessoas quando apertam a mão? Repare no que a outra mão está a fazer no momento do cumprimento.
  • Toque não ritualizado (toque para além do aperto de mão): quando é que ocorre? Quem está envolvido? É recíproco? O que é que esse toque lhe diz acerca da natureza da relação entre as duas pessoas?
  • Observe quando o toque não ritualizado lhe for dirigido a si. Acontece em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, alguém o está a tentar persuadir a fazer algo ou a pedir-lhe um favor?

Olhos: veja o que realmente motiva as pessoas

Mais uma vez, sem que nos apercebamos, temos tendência a olhar mais vezes e durante mais tempo para as pessoas de que gostamos e que temos interesse em ouvir.

Já alguma vez se apercebeu de que olha para cima e para a esquerda quanto tem de pensar em alguma coisa? O comportamento do olhar revela quando algo é complexo em termos cognitivos ou emocionalmente difícil de falar.

O movimento dos olhos diz muito sobre os atributos da nossa personalidade. As pessoas tímidas e socialmente ansiosas, ou que têm baixa autoestima e sentimentos negativos acerca de si próprias, tendem a olhar menos tempo para os outros. As pessoas confiantes e extrovertidas mantêm o contacto visual durante mais tempo.

Melhore a leitura do comportamento do olhar

  • Veja um filme em que as relações das personagens variem. Repare no tempo que demoram a entreolhar-se. As pessoas que supostamente se dão bem olham mais umas para as outras nos filmes?
  • Agora, observe como temas aborrecidos ou interessantes influenciam o comportamento do olhar. As pessoas olham mais para si quando está a ser interessante?
  • Faça esta experiência com um amigo chegado: fale sobre um tema que ele ache aborrecido e alongue-se. Observe o comportamento do olhar do seu amigo durante a conversa. Depois, mude para um tema que sabe que é do agrado dele e repare na diferença.

Observe como o género influencia o contacto visual:

  • Veja duas mulheres a interagir.
  • Veja dois homens a interagir.
  • Veja um homem e uma mulher a interagir.

Gestos individuais: o que revelam

Os gestos demonstram as perceções que as pessoas têm dos tamanhos, das formas, das posições relativas e de grupos de ideias, organizações e pessoas.

As pessoas revelam as perceções de tempo, da ordem das coisas e da experiência corporal de um acontecimento através de gestos para os reencenarem.

E é importante realçar que temos mais tendência a gesticular se nos sentirmos entusiasmados e confiantes sobre o tema.

Uma ajuda para compreender os gestos

  • Assista a um TED talk sobre um tema do seu interesse e repare se as palavras que o orador enfatiza são acompanhadas de gestos muito exagerados.
  • Pergunte a uma pessoa como vai de casa até ao trabalho e repare na forma como ela usa as mãos para descrever o percurso que faz.
  • Agora, peça-lhe para dizer um destino de férias de que ela gostou e como foi para lá. Os gestos são diferentes quando o seu interlocutor fala sobre um sítio que tem associações mais positivas?

Voz: aprenda a ler com os ouvidos

A nossa voz é tão única como a nossa impressão digital. Diferencia-nos dos outros e torna-nos reconhecidos para as pessoas que nos conhecem. Os sons que fazemos ao falar revelam sinais sobre a idade, o género, a etnia e a classe social. A voz também mostra sinais das nossas emoções e de quando nos deparamos com algo que consideramos desafiante em termos cognitivos.

E a voz também revela as emoções subjacentes de raiva, tristeza, felicidade, medo e desprezo. Estas emoções são transmitidas através da velocidade, do tom e da entoação.

A maioria das pessoas tende a modelar o discurso de quem gostam e com quem querem ser parecidos. E as pessoas que sentem ter um estatuto inferior têm tendência a adotar o discurso de pessoas de estatuto superior.

Como ler a voz

Muitas vezes, temos mais atenção ao que as pessoas estão a dizer do que à forma como o dizem. Para melhorar a sua capacidade de ler a voz, experimente o seguinte:

  • Da próxima vez que receber um telefonema inesperado de um comercial, veja se consegue adivinhar a etnia, a idade, o país de origem e a classe social com base no discurso dessa pessoa. Que sinais sugerem cada conclusão?
  • Repare quando as pessoas fazem uma pausa durante uma conversa e os temas sobre os quais parecem ter dificuldade em falar. O tema é complexo para elas, em termos cognitivos, ou evoca emoções?
  • Ouça um drama sem o ver. O que é que as vozes lhe dizem sobre os sentimentos e os pensamentos das diferentes personagens?

Existência de adaptadores: pequenos comportamentos que dizem muito

Os adaptadores são comportamentos como mexer no cabelo ou brincar com uma caneta. São respostas naturais a reações negativas que temos para connosco ou com os outros.

Muitas vezes, estes comportamentos são subtis e facilmente ignorados. Para melhorar a capacidade de leitura dos adaptadores, comece a reparar quando é que têm tendência para ocorrer.

Os adaptadores recaem em dois grupos: adaptadores motores e adaptadores de objeto.

Os adaptadores de objeto comuns incluem:

  • brincar com um lápis ou uma caneta
  • pegar no smartphone
  • roer uma palhinha, um palito ou uma caneta
  • fazer rabiscos com um lápis ou uma caneta

Os adaptadores motores comuns incluem:

  • mexer no cabelo
  • lamber ou mordiscar os lábios
  • roer as unhas
  • tocar na cara

Aprenda a ler e a controlar os seus próprios adaptadores

  • Grave uma entrevista na qual o entrevistador esteja a fazer perguntas continuamente. A pessoa entrevistada mostra algum adaptador?
  • Identifique se tem adaptadores específicos e quando têm tendência a surgir, para que possa perceber a função dos mesmos.
  • Repare durante quanto tempo exibe os adaptadores e quando normalmente param.

E, por fim, ao observar a linguagem corporal de uma pessoa, tenha especial atenção a estas três situações:

  • Variações face ao comportamento normal de uma pessoa
  • Variações face à situação normativa, e
  • Variações com diferentes pessoas. Estes desvios revelam como as pessoas respondem a terceiros e a situações.

Da mesma forma que aprender a falar uma língua nova envolve muito mais do que memorizar vocabulário, é mais fácil aprender a compreender a comunicação não verbal de forma faseada. Pratique cada secção individualmente e, depois, junte-as todas.

E, tal como acontece com todas as segundas línguas, é difícil aprender à primeira, mas vai sentir-se recompensado à medida que a fluência aumenta.

Ao aprender a ler melhor os outros, pense no que a sua comunicação não verbal diz de si. Não se esqueça de que aquilo que vê nos outros os outros veem em si.


Sobre a autora

Anne E. Beall é fundadora e CEO da Beall Research, Inc., uma empresa de estudos de mercado estratégicos de Chicago, EUA. Escreve sobre género, comunicação não verbal, estudos de mercado, como animais e pessoas se entreajudam e, mais recentemente, sobre as mensagens ocultas nos contos de fadas. Anne fez o Mestrado em Ciências e em In