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As empresas familiares são uma parte fundamental da comunidade de pequenas empresas. Vemos constantemente pequenas empresas a abrirem as suas portas por quererem contar a história do seu legado, e sentimo-nos inspirados sempre que vemos empresas a passarem de uma geração para a seguinte.
Conversámos com três proprietários de empresas do setor do vinho e das bebidas espirituosas que se encaixam nestas categorias e que usam o seu legado para contar histórias de marca sólidas que os ajudam a destacar-se da concorrência. Quer tenha apenas curiosidade sobre como desenvolver o seu negócio familiar atual ou queira criar um negócio, leia os conselhos deixados por eles.
Conheça os proprietários



Ruby Honerkamp, Talkhouse Encore
Ruby é cofundadora da Talkhouse Encore, uma linha de cocktails em lata inspirados pelo bar da família de Ruby em Long Island, que foi passando de geração em geração.
Jacine Rutasikwa, Matugga Rum
Jacine fundou a marca Matugga Rum com o marido, Paul, com o objetivo de criar um rum totalmente artesanal na Escócia, inspirado nas suas raízes jamaicanas e ugandesas.
Anja Schafer, Weingut W.J. Schafer
Anja juntou-se recentemente ao negócio da família, uma empresa vinícola premiada nos arredores de Frankfurt, Alemanha. Está a aprender os meandros do negócio e planeia levá-lo mais além.
Alavancar raízes
Muitas pessoas decidem criar uma empresa por causa das suas raízes, sejam elas culturais ou familiares. Ou porque na cidade onde agora vivem não conseguem encontrar aquela comida persa tradicional que fez parte do seu crescimento e decidem abrir um restaurante. Ou porque *não* conseguem encontrar um frasco de molho picante semelhante ao da tia-avó, por isso decidem criar um.
Para Jacine Rutasikwa, essas raízes começam com o rum, uma bebida espirituosa que sempre foi parte central da sua vida. Durante o seu crescimento, o rum era sinónimo de momentos bem passados, sempre presente em festas e reuniões da família. “Estamos a tentar criar uma marca que remete para os bons tempos passados com amigos e família, e para o simples saborear do rum, da vida”, acrescenta Jacine. “E muito disso está ligado à nossa herança cultural, porque é o que fazemos em família. O Paul e eu vimos de famílias grandes, onde sempre houve reuniões sociais. Trazemos muitos valores familiares para o nosso negócio e a nossa cultura. Por isso, trazemos esse tipo de amor familiar para a nossa marca.”
O avô paterno de Jacine tinha um bar de rum em Kingston, na Jamaica, antes de emigrar para o Reino Unido. O avô materno era carpinteiro. “A determinada altura, construía barris para uma destilaria de rum e também cortava cana-de-açúcar. Estas relações são interessantes. E certamente em termos históricos, o rum está muito ligado à escravatura. Os destiladores originais das plantações em todo o Caribe eram escravos, por isso o rum faz realmente parte da minha história.”
Anja Schafer começou a trabalhar na empresa vinícola da família aos 25 anos. Atualmente, está a tentar perceber de que forma irá assumir sozinha a gestão da empresa no futuro. “Nem sempre fez parte dos meus planos gerir o negócio… foi um processo gradual que implica muita responsabilidade. Felizmente, atualmente estamos numa fase de transição, por isso temos tempo para nos prepararmos.”
Ruby Honerkamp começou a trabalhar no bar da família, The Stephen Talkhouse, quando a pandemia da COVID-19 surgiu. “Quando estivemos fechados durante a pandemia, pensámos em formas de transportar o nosso legado e história para além da nossa pegada retalhista, especialmente porque as nossas portas estavam fechadas.” Criado nos anos 70, Ruby gosta de dizer que cresceu no bar e, em 2020, sentiu-se preparada para se juntar oficialmente ao negócio de família.

Navegar pelas mudanças geracionais
Existem vantagens e desvantagens em trabalhar com a família: é muito mais pessoal e é necessário ter em conta os sentimentos e experiências das gerações anteriores. Mas, por outro lado, também temos uma equipa sempre pronta a apoiar.
Após vários anos a trabalhar em branding e marketing em Nova Iorque, Ruby sentiu-se preparada para se juntar oficialmente ao negócio da família. “O bar The Talkhouse é uma verdadeira extensão do meu pai, mas na realidade eu não tinha nada a ver com o negócio por não sentir que fosse meu e que não poderia acrescentar qualquer tipo de valor. Conseguir usar os meus pontos fortes e pegar numa coisa que está tão embrenhada no meu ADN e transformá-la em algo novo foi algo com que os meus pais ficaram muito entusiasmados e de que se orgulham.”
“Os meus pais fizeram parte de tudo o que concretizei”, acrescenta Ruby. “Foram os meus mentores e guias para que tudo tivesse um toque genuíno. São definitivamente o meu ponto de equilíbrio para que eu não me distraia ao fazer demasiadas coisas, garantindo que tudo o que fazemos está alinhado com o bar. Penso que, para os meus pais, verem-me a dar tudo por algo que é uma extensão direta [do seu negócio] é também realmente especial para eles pelo facto de ser um projeto e dinâmica familiares em constante evolução.”
Apesar de Anja ter mudanças planeadas para a Weingut Schafer, afirma que “alguém da nossa família irá sempre representar este negócio, e é isso que os clientes adoram saber e ver. Querem ver a família por detrás da empresa e esse é um aspeto que queremos refletir na nossa marca.”
Sempre que é necessário tomar decisões, trata-se de um processo conjunto entre Anja e os seus pais, que assumiram a gestão da empresa vinícola das mãos do avô dela em 1995. “Vou continuar a incluí-los no futuro, se assim o quiserem. Mas eles deixam as decisões de longo prazo para mim. São coisas que irão acontecer daqui a 20 anos, portanto a decisão cabe-me a mim. Beneficio da experiência dos meus pais”, acrescenta Anja. “Estão aqui para me ajudarem a ponderar opções. Quando o negócio for totalmente gerido apenas por mim, eles continuarão a ter algo a dizer.”
O slogan da Weingut Schafer é ‘Traditional meets modern’ (O tradicional aliado ao moderno), que representa na perfeição os planos de Anja para o negócio. “Refere-se à nossa mudança geracional, que está também visivelmente refletida nos nossos locais de produção. Temos o nosso velho local de produção aqui em Hochheim, um bonito edifício antigo com pátio. Mas agora comigo à frente deste negócio em evolução, construímos um novo local de produção, todo em betão e com um aspeto muito moderno.”
Dinâmicas familiares
Dinâmicas familiares em evolução à parte, Ruby é grata pelo facto de a família estar envolvida. Explica que trabalhar com a família “não é tanto um desafio mas envolve sobretudo um fosso geracional na forma de perspetivar as coisas e de comunicar. Implica ser paciente e tentar articular a promoção da marca, tentar descobrir uma forma de equilibrar todo o passado da Talkhouse, por ser da velha guarda, com a evolução do produto e do negócio rumo ao futuro.”
“Penso que a mudança é importante em tudo, especialmente nos negócios. O meu pai faz isto há muito tempo, por isso conhece muito melhor o setor do que eu. Tem muitos conhecimentos e contactos que são importantes, mas existe também uma nova tendência na forma como as empresas são geridas, especialmente na era digital com as redes sociais. Ele lida com clientes diretos e eu tento dar a conhecer a marca às pessoas.
Tal como Ruby, Anja refere que os seus pais adoram vê-la tomar conta do negócio, mas admite que pode ser difícil. “Existem duas gerações que confluem e que partilham diferentes opiniões e atitudes. Manter uma boa relação entre as duas pode dar muito trabalho.” No que diz respeito à redefinição da marca, Anja refere que os pais têm interesse no processo, “mas também sabem que a nova marca tem de me refletir enquanto proprietária, por isso deixam-me tomar a maioria das decisões nesse processo.”
E embora o Matugga Rum esteja ainda na sua primeira geração, não deixa de ser um negócio familiar, pois Jacine é coproprietária com Paul, o marido. “Somos bons parceiros. Somos parceiros de vida, estamos a educar filhos em conjunto e a desenvolver um negócio em conjunto. Trabalhamos muito bem juntos. Não foi sempre assim no início por sermos tão diferentes. Eu sou mais criativa e Paul é o cientista. Portanto, temos estilos muito diferentes mas que agora se fundem.” Apesar de Jacine ser a mais criativa, admite que Paul foi o responsável pelo slogan criativo: “African soul, Scottish craft” (Alma africana, elaboração escocesa).
Criar um novo visual
As tendências mudam, por isso ainda que um negócio familiar tenha tido o mesmo logótipo durante décadas, poderá ter chegado a altura de o renovar. Anja está neste momento a criar um novo logótipo para a empresa vinícola. “É necessário garantir que toda a imagem e a marca correspondem à tradição da empresa vinícola. O novo logótipo não deve remeter para uma empresa em fase de arranque, mas também deve refletir-me enquanto jovem empreendedora do setor vinícola. Não deve ser demasiado moderno nem demasiado abstrato. Já vamos na terceira geração, por isso não quero passar a impressão de que acabei de criar a empresa. Tenho de encontrar o meu meio termo, o que não é fácil.”
Anja está a responder a este desafio recuperando algo do logótipo anterior e usando-o de uma nova forma. “Na verdade, foram os meus pais que criaram o logótipo atual quando tomaram conta do negócio do meu avô. Agora, está na altura de criar um novo logótipo que me represente.”
Apesar de Ruby referir que o bar Talkhouse não tem uma identidade de marca, a Talkhouse Encore tem-na seguramente. “O nosso branding oferece uma imagem renovada daquilo que o bar representa. O bar chama-se Stephen Talkhouse e a drinkhouse chama-se Talkhouse Encore por sermos um espaço com música. Os nossos cocktails em lata têm a menção ‘Established in 1970’ (criada em 1970) por ter sido o ano em que o bar Talkhouse foi criado, por isso estamos a apostar na autenticidade sobre a qual este lugar foi construído.
“Além disso, queríamos pegar em algumas características do Talkhouse e integrá-las na nossa identidade de marca. No exterior do bar, existe um quadro branco escrito com uma letra manual tosca a indicar o nome da banda que irá atuar em cada noite”, explica Ruby. “Pegámos nessa ideia e decidimos escrever ‘Talkhouse’ na lata no mesmo tipo de letra inspirado na escrita à mão com giz, para mostrar que por trás da marca existe um ser humano. E depois ‘Encore’ é como um disco psicadélico dos anos 70, pois a música está na vanguarda daquilo que fazemos. Existem vários elementos relacionados com o bar e a sua história e legado que integrámos na nossa embalagem. Além disso, incluímos a nossa história na parte de trás da lata.”
Não subestimámos nenhum detalhe no que se refere à promoção da marca Talkhouse Encore, incluindo a escolha do tipo de letra. “A nossa marca integra diferentes espessuras de letra e uma grande variedade de tipos de letra dentro da mesma família. Com isso queremos transmitir a ideia de que toda a gente é bem-vinda à Talkhouse. Este tipo de letra surge de tantas formas diferentes e o mesmo se passa com as pessoas. Todas as pessoas de todas as esferas são bem-vindas.”
Ruby recebeu inúmeras opiniões do irmão no momento em que teve de escolher os elementos da marca. “Eu dizia ‘isto é tão fixe’, e ele dizia ‘mas não se identifica com a Talkhouse’, ou ‘adoro esta paleta de cores’, e ele dizia ‘sim, é gira, mas não tem nada a ver com a Talkhouse’. Trata-se de encontrar um equilíbrio entre sermos uma marca cool e mantermo-nos leais às nossas raízes, mas então como integrar ambos? Tivemos de ter essa consciência ao longo de todo o processo.”

Um legado que se destaca
Uma história de marca é uma ferramenta de marketing crucial. É o que nos torna humanos e é aquilo que nos liga aos clientes a um nível mais profundo. E, para estas três empreendedoras, a história da marca é o lugar perfeito para mostrar a sua história e legado.
Ruby afirma que a história da marca Talkhouse Encore é aquilo que os diferencia no mercado. “A categoria está tão saturada, mas destacamo-nos por estarmos ligados a um espaço físico, a uma história real. Não estamos apenas a tirar partido de uma tendência de consumo.”
Ruby conta a história da marca no web site e na parte de trás dos cocktails em lata. “A história apela aos consumidores, mesmo que nunca tenham ido ao Talkhouse, por ser um espaço gerido por uma família. É quase como se fosse o local onde se reúne toda a gente.”
Anja afirma que as pessoas se identificam com a “boa qualidade inalterável” do seu vinho. “Graças ao meu pai”, acrescenta, “somos muito conhecidos pela ótima qualidade do vinho produzido a partir da casta Riesling, em particular. Estou a tentar trazer algo de novo a este processo através da integração de novas variedades de uvas e de formas de dar um toque renovado aos nossos vinhos. Os clientes dizem-nos que o facto de nos verem a trabalhar tão bem em conjunto, fundindo o moderno e o tradicional, é surpreendente para eles e que valorizam isso.”
Jacine sente que a singularidade do rum Matugga é aquilo que diferencia a marca. “Identificámos uma lacuna no mercado para criar um rum que estivesse ligado à nossa herança cultural. A verdadeira razão que está por detrás da sua criação foi o facto de não conseguir encontrar rum sempre que viajava para o Uganda e o Quénia. E achava isso tão estranho porque há muita cana-de-açúcar, e associo a cana-de-açúcar à produção de rum, mas simplesmente não existe uma cultura do rum no Uganda.”
Apesar de o rum Matugga ser produzido no Reino Unido, Jacine e Paul queriam que tivesse uma ligação a África. “Trata-se de uma fusão cultural muito poderosa, porque por um lado temos a Escócia, que é conhecida pela produção de bebidas espirituosas, por isso apoiamo-nos nessa sensação de pertença e de poder, e em toda a tradição de destilação escocesa. E depois isso é misturado com o nosso legado cultural. Baseámo-nos nas tradições do Uganga e da África Oriental em termos de socialização, num cenário comunitário, em que se desfruta da comida e da bebida sentado, de forma lenta, saboreando. [E] a nossa empresa chama-se Matugga, que remete para uma ligação geográfica. Matugga é o nome de uma localidade no Uganda, e o meu marido, Paul, nasceu no Uganda. E depois a Jamaica está realmente ligada a um legado autêntico em torno do rum. Muitas das nossas técnicas baseiam-se no estilo jamaicano de produção.”
Jacine refere-se às redes sociais como uma plataforma útil para contar a história da marca Matugga, mas sente que as ligações mais fortes são criadas em eventos presenciais com os clientes, seja numa prova de rum em grupo ou num tour pela destilaria. “Todos têm os conjuntos necessários para as provas e sou eu e o Paul que os guiamos, contando a história da empresa e de cada produto. Por isso, sei que essa experiência permanece em cada pessoa de forma muito poderosa. Temos uma boa resposta, porque não consigo pensar noutra marca que reúna ao mesmo tempo a Escócia e África. Misturámos os dois, mas demos-lhes um sentido. E penso que o resultado é algo muito inovador.”
Tal como acontece com o Matugga Rum, Anja oferece provas de vinhos aos clientes na exploração vinícola e em mercados e eventos locais, pois esta é uma ótima forma de estabelecer uma ligação com as pessoas e de contar a história da marca presencialmente.
